1 -Como se faz um padeiro

O Santos, para evitar “complicações” que lhe tinham surgido, resolveu “fugir” de França e foi apresentar-se à unidade militar que lhe tinham indicado. Era refractário, o que iria constar da sua caderneta militar, e este ferrete apenas poderia ser “lavado” com um bom comportamento e de preferência algum louvor durante a carreira militar que o esperava. Fez a recruta e a seguir, pela ordem natural das coisas, “saiu-lhe” a especialidade - Sapador.
Ao saber a especialidade o Santos pôs em causa, pela primeira vez, a sua habilidade para o jogo. Arriscara e, ao que tudo indicava, a sorte não estava do seu lado. De todas as especialidades esta era das que, no entender do Santos, era meia certidão de óbito. Sapador! Armadilhar pontes, armadilhar trilhos, colocar minas. Desarmadilhar pontões e trilhos, levantar minas anti-pessoais e anti-carro. O mais certo, com tantas minas e armadilhas, era alguma rebentar e lá se vai o Santos!
Tinha muitas dúvidas, muitas mesmo, sobre a opção tomada. Se calhar o melhor era ter ficado em França. Mas agora não adiantava nada lamentar-se o que estava feito, estava feito. E toca a andar. Podia ser que afinal até nem fosse tão mau. Logo se veria!
Estava o batalhão a formar-se em Santa Margarida onde, uns após outros, iam chegando os militares de acordo com as especialidades e postos. Quatro companhias operacionais e a CCS (Companhia de Comando e Serviços). O Santos pertencia ao pelotão de sapadores da CCS.
Um dia, na formatura do início da tarde, o Comandante de Companhia, um capitão, pergunta se alguém sabe alguma coisa de chapeiro, para além do chapeiro, claro. O Santos, sem hesitar como se estivesse à espera daquela pergunta, levanta logo o braço e diz:
- Sei eu, meu capitão.
- Ah sim! Diz o capitão. - Então vais com os mecânicos para a oficina e vais ajudar o chapeiro, que precisa de alguém para o serviço que tem. Vê lá se tomas conta do recado.
- Sim senhor, meu capitão. - Responde o Santos.
A verdade é que o Santos nunca tinha pegado num martelo para desempenar o quer que fosse. Nem fazia a mínima ideia. Para maior azar, o Chapinha (como era conhecido o chapeiro da companhia) não era flor que se cheirasse. Era um malandreco da Banharia, no Porto, que não primava pela camaradagem e pouco amigo de fazer favores. O Santos que já tinha “topado” o Chapinha tentou levá-lo às boas e granjear a sua amizade e colaboração. A primeira mossa que o Santos tentou desempenar foi pior a emenda que o soneto. A pequena mossa, não tardou, parecia um enorme rombo. Cada pancada do martelo, em vez de diminuir, aumentava o estrago. O Chapinha em vez de ajudar, ensinando, gozava e criticava.
- Eras tu o que sabia de chapeiro? Por este andar temos aqui um monte de sucata pior do que quando veio.
O Santos bem tentou demovê-lo, mas qual quê!
- Não te armasses em esperto, agora desenrasca-te. – Dizia-lhe o Chapinha.
O Santos percebeu logo que não era por ali que a sua sorte iria ser modificada. Chapeiro não iria ser, de certeza, o seu futuro. Lá teria que voltar a ser sapador como os outros. Maldita sorte!
Passados poucos dias, na mesma formatura do início da tarde, o capitão, com a companhia formada, pergunta:
- Quem sabe alguma coisa de padeiro?
- Sei eu, meu capitão. - Responde o Santos sem hesitar um segundo sequer.
O capitão ao ver de novo o Santos a oferecer-se para nova tarefa, exclamou:
- Tu afinal sabes de tudo! Já foste padeiro?
- Eu trabalhei numa panificadora, meu capitão.
- E então o que é que tu sabes?
- Bem! - Gaguejou o Santos. - Sabe como é meu capitão, era tudo automático, carregava-se num botão saía a farinha, noutro botão saía a água, noutro botão misturava-se a farinha com a água, aquilo depois de bem batido ia por um tapete rolante onde levedava e depois …(o Santos só carregava em botões)
- Bem, bem. Interrompeu-o o capitão. - Sempre sabes alguma coisa. Vais para o Entroncamento, para a Manutenção Material, trabalhar com os padeiros de lá. Vê lá se abres bem os olhos e aprendes pois vais passar a ser o padeiro da companhia.
O Santos pensou que lhe tinha saído a lotaria. Afinal a sorte não o abandonara e parecia sorrir-lhe de novo.
Passou duas semanas no Entroncamento. Foi quanto bastou! O Santos era tudo menos burro. Interessou-se pelo fabrico do pão. Quis saber as quantidades de farinha, de água, de sal, de fermento, o tempo de levedura, o tempo de cozedura, tudo, tudo.
Quando regressou à companhia para o embarque rumo ao desconhecido podia dizer-se que o Santos era quase um padeiro.
Já no barco, o famoso Niassa, que era um bom navio para transporte de gado, o Santos foi ter com o capitão e sugeriu-lhe que arranjasse maneira de o colocar junto aos padeiros do barco, pois sempre aprenderia mais alguma coisa. As duas semanas no Entroncamento foram boas mas não fora muito tempo.
- Bem pensado, rapazinho. Eu vou falar com o comandante do barco. - Disse o capitão em resposta à sugestão do Santos.
Lá foi o Santos parar à padaria do barco e aperfeiçoar a sua nova profissão. Aplicou-se de novo e com afinco. Os padeiros do barco ficaram contentes por ter assim um voluntário a ajudá-los, pelo que lhe ensinaram tudo o que puderam. Quando a viagem acabou já tínhamos padeiro.





Milton Sá

1 comentário:

  1. Esta passagem na viagem no Niassa tem mais um elemento relacionado com os estagiários da padaria.
    Assim foi mais ou menos, mas com a mestria que se pode imaginar!
    Quando da visita do Capitão da CCS à padaria do Niassa (Navio) quem lá estava era o Cripto da CCS como protegido do Comandante do Niassa.
    Aí, o nosso Capitão sugeriu que eu deveria ceder o lugar ao estagiário de padeiro, ao que o Mestre Sr. António, Sadino e Jóia de valores, logo respondeu ao Capitão... Mande para cá o homem
    mas sem alterações.
    Dos vários Padeiros do Batalhão apenas o Santos estagiou no Navio Niassa e não foi por obra ou graça, mas sim, pela visão calculista mas também perspicácia.
    Ele Santos, ao ver o Cripto na padaria do Niassa logo pensou haver engano e vai daí lançar a cana à pesca. António Almeida. Cripto CCS.

    ResponderEliminar